Acordou com a sensação incômoda de estar sobrando no apartamento. Os músculos doíam, respirava com dificuldade. Abriu lentamente os olhos, fez um gesto de levar a mão ao rosto, mas o braço nem sequer se mexeu: estava entalado no corredor, os dedos roçando a minúscula porta do seu quarto. Notou que o mal-estar era causado pela posição (de cócoras) e por se encontrar totalmente envolto pelas paredes, teto e chão da sala, as costas voltadas para a varanda do 8º andar.
Qualquer movimento mínimo, ir para frente, recuar, encolher os braços, uma tentativa que se anulava com barulho de móveis esmagados. O apartamento estava vazio? Onde se enfiara a mulher? E a governanta? Estariam do mesmo tamanho? Veio um arrepio de pânico na nuca. Lembrou apenas que tinha dormido no sofá – esmagado pelo dedão – com a tv de plasma ligada. Ali estava a tv, parecendo um desses brinquedos japoneses de ávidos miniaturistas. Quando tentou tocar com o dedo mindinho, um barulho de cream-craker: a tela em cacarecos.
Sentiu todas as suas funções vitais, a respiração pausada, o coração acelerado. Começava a duvidar se aquilo ali era um apartamento, se não era uma brincadeira de amigos, uma maquete tecnológica. Bastaria arquear os ombros e a tampa sairia dos encaixes e ele apareceria no meio de rostos conhecidos ou talvez num show de mágica, sabe-se lá. Mas constatou, assustado, que o teto ruíra um pouco acima de sua têmpora. E, susto, a outra mão enfiada até o fundo da cozinha, sentia a vibração inorgânica de uma máquina de lavar.
Alias, bastava respirar um pouco mais forte: o deslocamento de ar já derrubou alguns quadros na parede. Ele não teve dúvidas. Estava numa reprodução exata do seu apartamento, um brinquedo de última geração com capacidade para simular o mais extenso aparato de uma realidade. E já estava se cansando da brincadeira e prestes a tomar uma atitude mais drástica (suas costas doíam mais e mais) quando a porta da frente fez um barulho e a maçaneta começou a girar.
Agora sim, ele veria mais uma função, talvez movida à pilha.
Em vez disso entrou um dedo: fez uma pequena inspeção às cegas, encontrou uma série de botões e foi desligando pouco a pouco a luz matinal, a corrente de ar, as vibrações do apartamento, o sistema de travas, o alarme, além da dor nas costas, a sensação de claustrofobia e – último impulso do pânico – sua consciência.
André R. Dias
Fonte: Histórias de Sábado, pág.17Postado por: Maria Luíza Alves de Medeiros
Kkkkkkkkkkkkkk Boa história
ResponderExcluirBy.: Lipuxu - Filipe Vaz
Legal, Legal xD
ResponderExcluirBy.: Lauruxinhu - Lauro BRITO ¬¬
Legal esse texto, meio intrigante, mas muito bom.
ResponderExcluirNatália Oliveira
Esse texto é bem legal
ResponderExcluirPor - Gabriel Maciel
[b].[/b]
A discrição minuciosa do texto ajuda mesmo a descrever o medo intenso da personagem,transmitindo ao leitor uma noção do que ela está sentindo!
ResponderExcluirGuilianne Morón