As obras memorialistas têm o objetivo de descrever e apresentar fatos que fazem parte das lembranças de um determinado indivíduo. Essas lembranças, naturalmente, não seguirão uma ordem cronológica e não terão uma dimensão realista. Se considerarmos como exemplo um trauma de infância, o protagonista desse acontecimento acredita que o período de duração desse fato foi muito grande, mesmo que só tenha ocorrido em segundos. As memórias também têm a característica de mostrar apenas o ponto de vista da pessoa que está descrevendo o fato. Além disso, nos textos que se colocam lembranças pode-se criar, exaltar e exagerar situações, organizando o que se quer dizer e como se quer dizer.
Na literatura, as obras de cárater memorialista são fundamentais para a persuasão dos leitores e para criação de certos efeitos no texto. A novela O bom ladrão de Fernando Sabino e o romance Dom Casmurro de Machado de Assis, confirmam o poder das memórias porque o narrador- personagem conduz quem lê a acreditar no seu ponto de vista. Isso ocorre pelo fato das situações que são apresentadas se construírem na confirmação do é sentido e apontado por esse narrador. O memorialismo e a presença de um narrador personagem fazem os textos construídos a partir de lembranças ganharem um "ar de mistério" por apresentarem uma visão parcial dos fatos. A construção de textos memorialistas se faz a partir de algum sentimento importante para quem escreve as lembranças, ou seja, algo no presente faz com que se tenha vontade de descrever um fato que já passou. Abaixo estão as primeiras estrofes do poema Meus oito anos de Casimiro de Abreu, em que se nota a importância para o eu-lírico em relembrar a infância, e o começo da novela O bom ladrão, em que o narrador expõe de onde surgiu a motivação para contar sua história:
Meus oito anos
Oh que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
A sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais.
[...]
"Ultimamente ando de novo intrigado com o enigma de Capitu. Teria ela traído mesmo o marido, ou tudo não passou de imaginação dele, como narrador? Reli mais uma vez o romance e não cheguei a nenhuma conclusão. Um mistério que o autor deixou para a posteridade. O que me faz pensar no meu próprio caso. Guardadas as proporções - pois não se trata de nenhuma traição de Isabel - , o que foi que houve realmente entre nós dois? Onde estaria a verdade?"
Livro O bom ladrão, Fernando Sabino. Editora Ática, 1996. Página 9
Postado por: Thayana Maria Navarro Ribeiro de Lima